Minha performance “A TRAVESSIA” é uma homenagem aos migrantes desaparecidos no mar. Penso, é claro, nos migrantes de hoje que, empurrados por condições climáticas extremas, por guerras alheias ou por condições econômicas desastrosas e desumanas, arriscam tudo para alcançar terras que pensam ser melhores, mas que, muitas vezes, reservam-lhes apenas uma forma moderna de escravidão.
Penso também nos migrantes de ontem, nos meus antepassados africanos que foram arrancados de suas famílias, de sua cultura, para serem levados à força através do Atlântico, em condições cruéis e bárbaras, acorrentados no porão de um navio, para enriquecer mestres que se acreditavam civilizados. Muitos morriam durante a travessia e seus corpos eram jogados ao mar.
Na performance, finjo que vou buscar no fundo do oceano esses corpos despojados de sua identidade e trazê-los de volta à terra para que recuperem sua dignidade. Em um recinto cercado por arame farpado, que evoca os espaços privados de liberdade que aguardam os sobreviventes, costuro, para reparar, esses corações quebrados e dilacerados que escolhi para simbolizar os desaparecidos. Em seguida, os envolvo em um lençol, por respeito à vida que tiveram, vou enterrá-los e dar-lhes uma sepultura digna. Quero que possam descansar em paz. Para que recuperem a dignidade que lhes foi roubada. Para que sua dor, a minha também, seja reconhecida. Para que a reparação seja feita. Para que cesse o trauma da escravidão que ainda hoje aflige seus descendentes.
Performance realizada no Salin-de-Giraud, município de Arles, Camargue, França, maio de 2024.
Um filme está em fase de edição.